domingo, 12 de fevereiro de 2017

26 - Os livros



Penso a carta dos livros como uma metacarta: é uma carta sobre isso que se faz quando se lê o baralho, é um arcano sobre a dialética velar/desvelar. Parte do livo está na claridade e parte está na sombra, em outro deck essa carta é ilustrada com dois livros, um aberto e um fechado. A carta dos livros fala de estudos, de imersão nos saberes, mas sobretudo sobre a potência de revelação daquilo que ainda não está evidente. É uma carta sobre o acesso, mas não como a carta da chave que acessa locais/situações, aqui o acesso é mistérico. Tudo que os livros possibilitam acessar é da ordem da revelação. É importante notar que esse arcano às vezes vem para lembrar da impossibilidade de tudo revelar, da necessidade de que algo permaneça oculto: para que seja dia aqui é preciso que seja noite em algum lugar. Para ouvir é preciso calar. Para trazer algo à frente é preciso que algo resista enquanto fundo. É também o arcano que nos lembra da nossa capacidade de trazer à luz  saberes ocultos, da nossa possibilidade de acessar o que em nós não está evidente. Gosto de lembrar a cada consulente que em algum nível ele já sabe tudo que o oráculo pode revelar, o oráculo serve como linguagem onde esse saber se re-organiza e se expõe. É uma gramática que serve para nos lembrar daquilo que há no fundo dos nossos apetites e à flor das nossas peles. O oráculo serve para nos convocar a estar à altura do que viemos fazer aqui. Os livros é a carta, enfim, que  nos adverte de que é preciso conceder sempre com esse quinhão irrevelável de nós mesmos e de tudo que há. 



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

1 - O Cavaleiro



O cavaleiro abre o baralho. É o gesto crucial, o arcano que traz todo o ímpeto, toda a volúpia do que começa. É o instante em que o corpo concede com o mergulho, a insensatez necessária para desviar, a afinidade com o rumor desconhecido. E é preciso notar que o cavaleiro vem em dois: é o homem, é o cavalo. Ele vem a galope, traz algo de uma animalidade, qualquer coisa que desvia da civilização. Penso naquela baleia que depois de anos de cativeiro decide, um dia, engolir a própria treinadora. O cavaleiro tem algo desse gesto inesperado, de uma rebeldia incendiária, de um itinerário indomável. O cavaleiro fala de pisar na terra com passo de bicho, de adquirir uma velocidade selvagem. Ele traz mudanças, injeta velocidade, provoca deslocamentos. Fala de rumores externos, mas também do sagrado descontentamento que nos motiva a mudar. Ele traz mensagens, é o intermediário, o que circula. Penso em Mercúrio, penso em Exu, penso nas Amazonas, penso em Perto do Coração Selvagem, quando Clarice Lispector escreve

nada impedirá meu caminho até a morte-sem-medo, de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo


O cavaleiro vem montando esse cavalo que é um pouco ele próprio e um pouco qualquer coisa que ele desconhece, nessa dança com a face selvagem (com o fora, com a alteridade). O cavaleiro negocia com as forças não dóceis do mundo para que a vida se realize em seu fluxo.