sábado, 4 de março de 2017

Combinação: Árvore (5) e Montanha (21)

                           

O baralho cigano é composto de 36 arcanos, o que torna fácil a memorização dos significados padrão, mas exige muito  na hora de fazer falar as relações entre os arcanos. Uma das epígrafes do livro "Tarô: a máquina de imaginar" é de Oswald Wirth, que diz: Adivinhar é imaginar com justeza. Essa justa imaginação, ao meu ver, é um combinado entre intuição, abertura ao impessoal e capacidade de imaginar as muitas relações entre as cartas. Cabe lembrar que o Povo Cigano é um povo dançarino e que talvez seja uma chave para o oráculo cigano compreendê-lo como um oráculo que dança, ou ainda, que para ser lido é preciso ser compreendido-em-dança. Cada consulente traz questões singulares e é preciso fazer as combinações dançarem até produzirem uma narrativa única que irá responder à especificidade da questão. Esse, me parece, é um dos grande desafios de quem se propõe a abrir esse oráculo: produzir multiplicidades a partir de uma gramática com poucos elementos. 

Por exemplo, na combinação entre as duas cartas expostas acima: a carta da árvore fala sobre processos, tem relação com questões de sáude, pode se referir à família. Para mim, a árvore fala sobretudo de um resultado que tem relação direta com suas raízes.  É um arcano que fala do que vem à superfície a partir de um processo de enraizamento. No Yoga a postura da árvore é aquela na qual um dos pés está bem enraizado no chão enquanto o outro se dobra em direção a parte posterior da coxa oposta e as mãos se unem em prece em frente ao peito ou sobre a cabeça. É sobre aquilo que se enraíza para possibilitar a invenção de outros equilíbrios. A árvore é também um dos símbolos de Iroko, Orixá que personifica o tempo. Dizem algumas mitologias que Iroko é árvore ancestral por onde os demais Orixás desceram à Terra. Seja por qual via for, a árvore fala de um eixo fixo e ancestral que possibilita o crescimento e própria criação da vida, múltipla e móvel como ela é.   

A montanha, por sua vez, também fala de processo, mas um processo análogo a uma travessia montanhosa. Fala de percalços e provações, mas também da força divina de Xangô: fala de justiça, da justa medida entre o empreender movimento e avançar. A postura da montanha no Yoga é com os dois pés bem fincados no chão, os braços levemente separados do corpo, os olhos em um ponto fixo, o corpo todo preparado para entrar em alguma postura desafiadora de equilíbrio. É uma postura de preparo e prontidão. A montanha me diz de forças telúricas, de mistérios da terra, da justiça divina que excede e escapa da nossa compreensão, das longas e justas provações, da capacidade de seguir caminhando mesmo nos terrenos menos favoráveis confiando no próprio caminho e na tarefa de caminhar.   

Uma das formas de ler a combinação desses dois arcanos é a justaposição, um domínio causando ou influenciando o outro, por exemplo. saúde/falta de saúde como causadora de justiça/injustiça. Família como causa de provação. Fixidez sendo convocada a se deslocar por um caminho de dificuldades. Processo de crescimento causando uma experiência de fé.

Uma forma outra forma de combinar os arcanos é a sobreposição. Não a árvore como causa da montanha ou a montanha apontando para um resultado árvore, mas a árvore dentro da montanha, ou ainda, a montanha arborescendo e se enraizando. Todos os arcanos que trazem imagens de elementos ou domínios da natureza trazem a força de Gaia, esse intricado de corpos que são interdependentes, se individualizam e retornam à comunhão - em ciclo. A montanha que contém em si a árvore, a árvore que sustenta a memória da montanha. As muitas vias e travessias se acessando e apontando aos caminhos - provisoriamente - singulares.

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